A vacina contra a Covid e a justa causa

Um dos assuntos mais debatidos em tempos de pandemia gira em torno da obrigatoriedade da vacina, ou seja, se a referida imposição não estaria violando a liberdade individual e de crença, direitos estes previstos na Constituição Federal.

Por se tratar de assunto polêmico, inclusive pelo fato de que o Brasil passa por um período de polarização política muito extrema,  a ideia desse espaço é analisar a situação por meio do prisma social e econômico bem como no âmbito trabalhista.

Referente à questão social, compete ao indivíduo, caso assim entenda, optar pelo recebimento ou não de imunização contra o COVID-19, não podendo o Estado determinar que a vacina seja aplicada à força, mas somente impor ao cidadão que recuse a vacinação, as medidas restritivas impostas pela legislação, conforme elencado pelo Ministro Ricardo Lewandowski (Relator) no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6586 e 6587.

No entanto, quando trazemos essa questão para o âmbito do Direto do Trabalho, observamos que a vontade do individuo não pode se sobrepor ao da coletividade.

Pense-se, por exemplo, em uma empresa que possua mais de mil colaboradores trabalhando lado a lado, sendo que apenas um indivíduo dentre todos escolheu não se imunizar, trazendo assim, apreensão e riscos aos demais trabalhadores.

Como amplamente divulgado, as vacinas hoje disponíveis não tem o condão de garantir uma imunização de 100%, entretanto, quando todos os colaboradores, seguindo o exemplo acima citado, estão devidamente imunizados, contribuem de forma substancial para diminuir a propagação da doença.

Nesse contexto, a insurgência do trabalhador quanto à vacinação somente seria aceitável em decorrência de recomendação médica, uma vez que, conforme já destacado, a saúde coletiva se sobrepõe integralmente sobre qualquer direito individual.

Sobre esta questão é importante mencionar o entendimento adotado pela Ministra Cármen Lúcia, (no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6.586 e 6.587) destacando que “a Constituição não garante liberdades às pessoas para que elas sejam soberanamente egoístas”.

Portanto, sobre o prisma do Direito do Trabalho, é possível concluir que sobre o empregado que se recusar a participar da imunização contra o COVID-19, recairá o ônus quanto a possibilidade de rescisão do contrato de trabalho, inclusive por justo motivo, visto que não se mostraria razoável a manutenção do labor conjuntamente com a possibilidade de propagação da doença no ambiente de trabalho.

Sobre a questão da rescisão por justa causa, recentemente a 13ª Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região referendou, por unanimidade, a decisão proferida pelo Juízo da 2ª vara do Trabalho de São Caetano do Sul, que manteve a justa causa aplicada a trabalhadora, que de forma injustificada, se recusou a tomar a vacina disponibilizada.

O acórdão proferido, em parte de sua fundamentação, também consignou ser necessário observar o interesse coletivo, “pois, ao deixar de tomar a vacina, a reclamante realmente colocaria em risco a saúde dos seus colegas da empresa, bem como os demais profissionais que atuam no referido hospital, além de pacientes, e seus acompanhantes”.

Sobre o prisma econômico, a rescisão por justa causa, diferente de outras modalidades de rescisões, causa um impacto financeiro muito duro sobre o trabalhador, posto que são resguardados apenas alguns direitos trabalhistas.

Veja-se que ao trabalhador demitido por justa estão resguardados somente os seguintes direitos: saldo de salário (valores referentes aos dias trabalhados), férias vencidas e salário família (caso se enquadre no programa).

Em comparação, o trabalhador que é demitido sem justo motivo, além dos direitos já elencados acima, receberá também o 13º salário, as férias proporcionais, o aviso prévio, a multa de 40% sobre o FGTS e a possibilidade de buscar acesso ao programa de seguro desemprego e levantar o FGTS depositado em sua conta vinculada.

O Brasil, como se sabe, além de ser um dos países com o maior índice de mortalidade em decorrência do coronavírus, também enfrenta uma taxa de desemprego superior a 14% (mais de 14 milhões de brasileiros desempregados) e uma grande crise econômica, que tem elevado consideravelmente os preços de produtos básicos para alimentação e do combustível, encarecendo, portanto, a vida de toda a população.

Assim, não se mostra crível, seja por motivo político, crença ou outras convicções, que ainda existam trabalhadores que se recusam a participar do programa de vacinação contra a COVID-19, ainda mais com a possibilidade do contrato de trabalho ser rescindido por justa causa e o fato de a vacinação ter se demonstrando um antidoto essencial para sairmos o quanto antes do marasmo econômico que vivemos.

Co-autores:

Lupércio Monferdini Novo D’Arcádia, advogado do Escritório Bichara Advogados – Especializado em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho.

João Chagas de Oliveira Tourinho, advogado e Gestor Jurídico da Mundivox Comunicações – Master of Laws em Litigation pela FGV/RJ, Especialista em Processo Civil pela PUC/RJ e Especializando em LLM de Direito Tributário pelo Insper/SP.

Fonte: Portal Contábil

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